sábado, 10 de agosto de 2013

Uma nova aurora: meditações sobre o momento de partir ! ! !




Por: Michel Farah Valverde

“Toda despedida é dor... tão doce todavia, que eu te diria boa noite até que amanhecesse o dia.”

(William Shakespeare)

Não sei se já estão vivenciando a época de reencontrar amigos e com eles ficar minutos, até horas, jogando conversa fora sobre os anos passados, aquilo que fizeram juntos, as molequices e os fatos mais marcantes de “tempos atrás”. Acredito que não. Mas fatalmente essa fase saudosa e deliciosa da vida acontecerá para todos. Chega um ponto na nossa trajetória onde o volver-se para a própria história parece ato instintivo e necessário, haja vista que somos também aquilo que vivemos outrora, e não apenas os encaminhamentos futuros (muitos deles, aliás, frutos das escolhas e determinações feitas num estágio anterior ao momento presente). Então, é inevitável – e praticamente irresistível – travar um encontro dialógico com a história composta, reconhecendo nas suas entranhas pigmentos de lembranças, emoções e acontecimentos que acometem nosso jeito de ser sem pedir licença e fazem de nós uma identidade peculiar no mundo pelos homens realizado e desfrutado. Não se pode negligenciar essa etapa decisiva e única que o fim da adolescência para o ingresso na condição adulta proporciona a cada jovem aventureiro na selvageria desgovernada da vida, e aproveitar essa chance de “re-conhecer” os meandros do existir individual nesse quadro maior de transitoriedade e marcas é uma das oportunidades mais formidáveis e gratificantes provenientes da intencionalidade da consciência.
Esse processo mnemônico e revisitante aparece diante de cada ser humano sempre que este localiza-se num patamar derradeiro, relacionado com um conjunto de transformações e propósitos cumpridos. É assim que percebemos quando chegamos ao ponto culminante de uma etapa da nossa vida, e isso em hipótese alguma significa aniquilação do eu, dos planos de vida, dos sonhos e metas, mas, contrariando essa lógica fatalista, é a contextualização exigida para se ingressar em novos arrojos existenciais, e neles garimpar oportunidades inéditas de realização pessoal. Aliás, o homem, na sua infinita relação com o tempo, é o único ser vivente que reflete o seu trajeto de vida e, saltando irrestritamente pelos instantes vividos e suas significações, se recria constantemente. Basta observar os inúmeros exemplos de superação encontrados nos esportes, na cultura e nas iniciativas para a promoção humana e ver o quanto é importante se lançar sempre ao desafio da transfiguração de si.
O fim da escola marca não só a saída de um estudante do ensino básico, mas a finalização de um período latente: a adolescência. E com ele vem também o ingresso obrigatório na fase adulta, e isso implica em assumir uma enormidade de compromissos e encargos até então ignorados ou previamente adiados.
 Em troca de emoções pulsantes e espontâneas, uma agenda de tarefas, investimentos, além da dinâmica ostensiva da tentativa e erro se mostrar com maior dose de exigência e cobrança externa. A época das aventuras inúteis (sem qualquer pretensão utilitária) e dos embalos apaixonados e apaixonantes, cede lugar gradativo para os programas comedidos e as priorizações avaliadas. Aparentemente ser adulto pode parecer uma grande desvantagem, pois todas as delícias da adolescência vão se esvaindo em pequenas unidades dispersáveis, a se afastar cada vez mais do alcance. Em contrapartida, as vantagens adultas (poder dirigir, conquistar a independência, falar por si mesmo, etc.) apresentam suas faces sedutoras e convidativas, que para muitos é um sinal de dias melhores pela frente, enquanto que a outros parece mero prêmio de consolação.
Passar por esse tipo de anseio é natural e estimável, e vale a pena se permitir a pergunta inadiável: o que fazer agora?. Talvez a questão central a se colocar seja aquela que moveu e ainda persiste no pensar filosófico de todas as épocas: o que é “ser”? Como o “ser” se manifestará daqui por diante e me revelará o horizonte? .
 É chegado o tempo de deixar o lugar de conforto rumo a ares inóspitos e instigantes, e tudo o que aparentemente se trata de perda na verdade se mostra oportunidade de crescimento e um convite à transcendência, ao ir além-de-si no percorrer dos caminhos desafiadores. 
É preciso sempre, para nos sentirmos vivos e participantes desse dom majestoso – a própria vida -, manter o espírito atento a esse estado interrogante, tendo em vista a entrega de toda nossa existência numa atitude de coragem ao desconhecido, de maneira a fazer da nossa passagem neste mundo um constante desocultamento temporal do sentido de viver, o qual nos puxa para fora da redoma do presenteísmo (a obrigação de se prender ao que é bom e interessante no aqui e agora) e nos insere na dinâmica maior do cosmos, de transformação e mistério.
Partir não significa exatamente deixar algo para traz. 
Está mais para a consciência de um fim, mas este compreendido não como encerramento definitivo (até porque nenhuma experiência deixará de “existir” em nós), mas como abertura ao porvir, entrega ao infinito, a espera da nova aurora que surgirá a qualquer minuto.
 O que marca essa despedida é fundamentalmente seu caráter de continuidade, de não esgotamento no tempo, de reformulação das estratégias e da mobilidade criadora.
 É por isso que ninguém deve estagnar num período da vida, seja por conformismo, resignação ou falta de direção finalista, pois a realidade é feita não de permanência de momentos e sim de eventos irrepetíveis que abalizam possíveis e benfazejas renovações. 
O filósofo Montaigne nos seus Ensaios nos dá um alento e incentivo: "Qualquer que seja a duração da vida ela é completa. Sua utilidade não reside na duração e sim no emprego que lhe dais. 
Há quem viveu muito e não viveu. Meditai sobre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante".
Interrompo essas linhas desejando a vocês uma só atitude: vontade de viver bem, e aproveitar com prudência as ocasiões importantes que a realidade permitir. 
A juventude, a escola, os professores, as amizades... nada disso deixará de acompanhar suas escolhas e percursos. 
Estaremos juntos, aconteça o que acontecer, na memória e no coração, rumando ao infinito, destino e acalento de todo ser humano.

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