Em seus primeiros dias de Santos,
o Rei menino passeia na praia
Por Celso
Unzelte
O menino
negro, com menos de 16 anos, já havia descido boa parte dos degraus que o
levariam do alojamento dos amadores do Santos para a saída da Vila Belmiro. Na
mala cáqui quadrada que levava à mão, iam todos os seus pertences. Na cabeça,
uma decisão: voltar para Bauru. Para perto da família, dos amigos do Baquinho,
o time da cidade. De tudo aquilo que sentia saudade. Quem sabe, assim,
esqueceria de vez o pênalti perdido alguns dias antes, contra o Jabaquara, na
decisão do Campeonato de Juniores de Santos de 1956.
Foi quando
uma voz interrompeu os seus pensamentos: "Cadê a autorização para sair?
Sem autorização você não sai daqui". O dono da voz era Sabuzinho, um
humilde funcionário do Santos, filho da cozinheira do clube que, àquela hora
(perto das seis da manhã), se preparava para ir à feira. O garoto fujão, pego
em flagrante, era Pelé.
"Já
pensou que besteira eu ia fazendo?", diz, hoje, o Rei, mais de 42 anos depois
do episódio. "Eu não queria parar. Mas aquilo poderia mesmo ter
prejudicado definitivamente a minha carreira. Talvez por aquele ato de
indisciplina eles não me deixassem mais voltar para o Santos. Por isso,
agradeço até hoje ao Sabuzinho." Anos depois, esse mesmo Sabuzinho -- na
época auxiliar de roupeiro e uma espécie de faz-tudo no clube -- morreu diante
dos olhos de Pelé. "Como estávamos de folga, fomos pescar no alto de uma
pedra na Praia Grande", conta. "Estávamos eu e o Cláudio, goleiro do
Santos, quando Sabuzinho escorregou na pedra e caiu no mar. Fomos buscar
socorro, mas não teve jeito."
Em
outubro de 1956, Pelé já era mais que uma promessa. Havia marcado o seu
primeiro gol pelo Santos algumas semanas antes, em um amistoso contra o
Corinthians de Santo André. E todos na Vila Belmiro sabiam do seu potencial.
Na verdade, Ele só não estreara ainda em jogos
de campeonato porque o técnico Lula julgava "temeroso" lançá-lo em
final de temporada. Naqueles dias, porém, o time de juvenis (atual juniores) do
Santos decidiria o título da cidade contra o Jabaquara. Promovido pela Liga Amadora
local, aquele campeonato tinha, para os torcedores e para os dirigentes locais,
uma importância impensável em nossos dias. Daí o grande público presente na
Vila Belmiro. E daí, também, a idéia lançada por alguém da diretoria às
vésperas da partida:
"Que
tal reforçarmos o nosso time com Pelé?" Nada mais natural. Com 16 anos
incompletos, Ele ainda poderia jogar tanto no infantil quanto no juvenil.
"Era o meu primeiro ano no clube", relembra Pelé. "Topei de
cara, porque àquela altura, para mim, tudo era festa." A partida se
aproximava do final. O Jabaquara só precisava do empate, mas vencia por 1 x 0,
garantindo o tricampeonato da cidade. Foi quando o juiz Romualdo Arppi Filho,
também um garoto de apenas 17 anos, marcou um pênalti a favor do Santos.
"Pelé bateu devagar, no canto direito. E eu quase bati a cabeça na trave
para defender. Mas acabei ficando com ela", orgulha-se até hoje, aos 60
anos, o ex-goleiro Fininho. Que, no entanto, faz uma ressalva em relação à
atuação do Rei: "Pelé já era o foco das atenções. Apesar da infelicidade
de perder o pênalti, jogou muito bem naquele dia".
Pelé,
no entanto, não se conformava. "Aquilo me arrebentou", confessa.
"Fui vaiado depois do jogo e só pensava em voltar para Bauru." Ali
mesmo, na saída do gramado, Ele foi cercado pelos profissionais do clube, que
assistiam à partida. Principalmente pelo ponta-esquerda Tite. Campeão paulista
pelo Santos em 1955 (seria bi naquele mesmo ano), Tite era um grande amigo de
Waldemar de Brito, o homem que levou Pelé para o clube. Por isso mesmo,
tornou-se, informalmente, uma espécie de "padrinho" do jovem Pelé
naqueles primeiros tempos. Ao ver o garoto abalado, chorando enquanto saía de
campo, Tite passou-lhe a mão na cabeça. Disse que todo mundo, "inclusive
os maiores jogadores da história", também já haviam perdido pênaltis. E
encerrou, profético: "Levante a cabeça, garoto. Daqui para a frente, você
terá, ainda, muitos outros pênaltis para bater.E mais umas 1000 chances de
marcar"
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário