quinta-feira, 19 de abril de 2012

O REI MENINO NA PRAIA DE SANTOS

Em seus primeiros dias de Santos,




o Rei menino passeia na praia


Por Celso Unzelte




O menino negro, com menos de 16 anos, já havia descido boa parte dos degraus que o levariam do alojamento dos amadores do Santos para a saída da Vila Belmiro. Na mala cáqui quadrada que levava à mão, iam todos os seus pertences. Na cabeça, uma decisão: voltar para Bauru. Para perto da família, dos amigos do Baquinho, o time da cidade. De tudo aquilo que sentia saudade. Quem sabe, assim, esqueceria de vez o pênalti perdido alguns dias antes, contra o Jabaquara, na decisão do Campeonato de Juniores de Santos de 1956.
Foi quando uma voz interrompeu os seus pensamentos: "Cadê a autorização para sair? Sem autorização você não sai daqui". O dono da voz era Sabuzinho, um humilde funcionário do Santos, filho da cozinheira do clube que, àquela hora (perto das seis da manhã), se preparava para ir à feira. O garoto fujão, pego em flagrante, era Pelé.
"Já pensou que besteira eu ia fazendo?", diz, hoje, o Rei, mais de 42 anos depois do episódio. "Eu não queria parar. Mas aquilo poderia mesmo ter prejudicado definitivamente a minha carreira. Talvez por aquele ato de indisciplina eles não me deixassem mais voltar para o Santos. Por isso, agradeço até hoje ao Sabuzinho." Anos depois, esse mesmo Sabuzinho -- na época auxiliar de roupeiro e uma espécie de faz-tudo no clube -- morreu diante dos olhos de Pelé. "Como estávamos de folga, fomos pescar no alto de uma pedra na Praia Grande", conta. "Estávamos eu e o Cláudio, goleiro do Santos, quando Sabuzinho escorregou na pedra e caiu no mar. Fomos buscar socorro, mas não teve jeito."
Em outubro de 1956, Pelé já era mais que uma promessa. Havia marcado o seu primeiro gol pelo Santos algumas semanas antes, em um amistoso contra o Corinthians de Santo André. E todos na Vila Belmiro sabiam do seu potencial.
Na verdade, Ele só não estreara ainda em jogos de campeonato porque o técnico Lula julgava "temeroso" lançá-lo em final de temporada. Naqueles dias, porém, o time de juvenis (atual juniores) do Santos decidiria o título da cidade contra o Jabaquara. Promovido pela Liga Amadora local, aquele campeonato tinha, para os torcedores e para os dirigentes locais, uma importância impensável em nossos dias. Daí o grande público presente na Vila Belmiro. E daí, também, a idéia lançada por alguém da diretoria às vésperas da partida:
"Que tal reforçarmos o nosso time com Pelé?" Nada mais natural. Com 16 anos incompletos, Ele ainda poderia jogar tanto no infantil quanto no juvenil. "Era o meu primeiro ano no clube", relembra Pelé. "Topei de cara, porque àquela altura, para mim, tudo era festa." A partida se aproximava do final. O Jabaquara só precisava do empate, mas vencia por 1 x 0, garantindo o tricampeonato da cidade. Foi quando o juiz Romualdo Arppi Filho, também um garoto de apenas 17 anos, marcou um pênalti a favor do Santos. "Pelé bateu devagar, no canto direito. E eu quase bati a cabeça na trave para defender. Mas acabei ficando com ela", orgulha-se até hoje, aos 60 anos, o ex-goleiro Fininho. Que, no entanto, faz uma ressalva em relação à atuação do Rei: "Pelé já era o foco das atenções. Apesar da infelicidade de perder o pênalti, jogou muito bem naquele dia".
Pelé, no entanto, não se conformava. "Aquilo me arrebentou", confessa. "Fui vaiado depois do jogo e só pensava em voltar para Bauru." Ali mesmo, na saída do gramado, Ele foi cercado pelos profissionais do clube, que assistiam à partida. Principalmente pelo ponta-esquerda Tite. Campeão paulista pelo Santos em 1955 (seria bi naquele mesmo ano), Tite era um grande amigo de Waldemar de Brito, o homem que levou Pelé para o clube. Por isso mesmo, tornou-se, informalmente, uma espécie de "padrinho" do jovem Pelé naqueles primeiros tempos. Ao ver o garoto abalado, chorando enquanto saía de campo, Tite passou-lhe a mão na cabeça. Disse que todo mundo, "inclusive os maiores jogadores da história", também já haviam perdido pênaltis. E encerrou, profético: "Levante a cabeça, garoto. Daqui para a frente, você terá, ainda, muitos outros pênaltis para bater.E mais umas 1000 chances de marcar"
fonte: abril editora

Nenhum comentário:

Postar um comentário