segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Turibio Barros, mestre e doutor em fisiologia do exercício

Para ele, lesões e contusões no futebol têm mais gravidade atualmente do que no passado

Por: Guilherme Yoshida




Com o futebol atual disputado de uma forma muito mais intensa, tanto em partidas oficiais quanto em treinamentos, a frequência e a gravidade das lesões e contusões aumentaram consideravelmente em relação ao que acontecia há algumas décadas.
Neste cenário moderno, os choques durante a prática do esporte acontecem em uma velocidade muito maior e, com isso, os traumas no corpo do atleta têm uma consequência mais profunda, como aponta Turibio Leite de Barros.
"Acho que as lesões na atualidade, na verdade, são as mesmas [do passado]. O que muda, talvez, seja até a gravidade delas. E até a frequência ou a incidência delas [é maior]. Porque estamos na razão direta da evolução física do próprio esporte. Atualmente, o atleta corre distâncias muito maiores do que há três ou quatro décadas. Com isso, obviamente, do ponto de vista físico, a probabilidade de choques e de traumas aumenta na razão direta do aumento do vigor físico que o esporte é praticado. Então, acho que isso acarreta em uma maior gravidade muitas vezes, pois os choques acontecem em maiores velocidades, e a probabilidade de acontecer lesões traumáticas também acaba crescendo", disse, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.
Mestre e doutor em fisiologia do exercício e professor da Unifesp há pouco mais de 35 anos, Turibio Barros foi fisiologista-chefe do São Paulo Futebol Clube por duas décadas e meia, período em que idealizou e ajudou a construir o Reffis, o centro clínico do clube paulista e considerado uma das referências no futebol brasileiro.
Sua jornada profissional ainda conta com atuações como coordenador do curso de medicina esportiva na mesma Unifesp e fisiologista do projeto olímpico do Esporte Clube Pinheiros, além de ter escrito sete livros e mais de 123 artigos científicos.
Com tamanha experiência, este especialista afirma com veemência acreditar que a medicina esportiva no Brasil serve de modelo para os profissionais que atuam na Europa e Estados Unidos. Após trabalhar novamente na recuperação do meia Kaká, do Real Madrid e da seleção brasileira, ele acrescenta ainda que o fato de os jogadores brasileiros retornarem ao país natal para tratarem de suas lesões é uma evidência de que os métodos realizados nos clubes nacionais são mais avançados do que em outros centros do futebol.

"Acho que aqui no Brasil se tem uma cobrança muito grande e maior para que o retorno do atleta que tem uma lesão seja o mais rápido possível aos gramados. Ao contrário do que acontece na Europa, principalmente, onde lá eles absolutamente não têm pressa. E, como não tem essa pressa, curam de uma forma mal curada, porque não investem naquilo que pode acelerar o processo de recuperação das lesões. Além disso, aqui no país parece que o atleta tem sempre uma importância maior para os clubes, a presença dele em campo é muito mais cobrada. Então, o investimento que se faz no futebol brasileiro, tanto na recuperação quanto na prevenção de lesões, acredito que seja mais efetivo, consistente e avançado do que nos outros mercados, em especial, o europeu", avalia.
Turibio Barros falou ainda de core training, dos clubes mais estruturados do Brasil e da importância de se manter uma comissão técnica permanente para o trabalho com as equipes de futebol. Confira a entrevista na íntegra que ele cedeu durante evento em São Paulo.
Universidade do Futebol – A Uefa possui uma Associação que estuda as principais causas de lesões em atletas, com um grande banco de dados. Há algo sendo feito nesta direção no Brasil?
Turibio Leite de Barros  Não que eu saiba, se existe alguma iniciativa deste tipo deve ter sido de uma natureza muito isolada, sem que haja um guarda-chuva de uma entidade oficial, que realmente possa dar melhores recursos para que isso seja feito de forma sistemática. Eu acho que é um tipo de iniciativa que deveria ser abraçada pela CBF, particularmente. Com toda certeza, se existe algum lugar que isto seja necessário é aqui no Brasil.
Universidade do Futebol – A Medicina do Esporte evoluiu muito em relação à tecnologia ligada aos exames e aos diagnósticos. Qual a importância desta evolução e como está o futebol brasileiro se comparado com outros países neste aspecto?
Turibio Leite de Barros – Acho que o Brasil hoje em dia tem um nível de desenvolvimento nesta área da medicina esportiva muito importante. Fato é até que, não é patriotismo dizer, particularmente no aspecto da reabilitação, a estrutura que nós temos aqui no Brasil, a qualidade dos profissionais que atuam neste segmento, com toda certeza está em nível de ponta no universo da medicina esportiva mundial. Acho que até, sem falta modéstia, o europeu tem de aprender muito com a gente neste sentido.
Turibio Barros foi fisiologista-chefe do São Paulo por muitos anos. Para ele, clube do Morumbi foi pioneiro entre os clubes brasileiros em relação à infraestrutura
Universidade do Futebol – O que faz a medicina do esporte no Brasil ser uma das referências mundiais? O que há de diferente na maneira de atuar dos profissionais brasileiros em comparação com os profissionais de EUA e Europa? Seria esse um dos motivos para que muitos jogadores venham se tratar no Brasil?
Turibio Leite de Barros – Acho que aqui no Brasil se tem uma cobrança muito grande e maior para que o retorno do atleta que tem uma lesão seja o mais rápido possível aos gramados. Ao contrário do que acontece na Europa, principalmente, onde lá eles absolutamente não têm pressa. E, como não tem essa pressa, curam de uma forma mal curada, porque não investem naquilo que pode acelerar o processo de recuperação das lesões. Além disso, aqui no país parece que o atleta tem sempre uma importância maior para os clubes, a presença dele em campo é muito mais cobrada. Então, o investimento que se faz no futebol brasileiro, tanto na recuperação quanto na prevenção de lesões, acredito que seja mais efetivo, consistente e avançado do que nos outros mercados, em especial, o europeu. E o fato de os jogadores virem se tratar no Brasil é o indicador mais evidente que, de fato, a gente aqui no país está à frente neste aspecto.
Universidade do Futebol - Pelo fato de a lipoaspiração ser uma cirurgia que altera a composição corporal do atleta e pode melhorar o desempenho deste, ela pode ser considerada doping, como apregoam alguns médicos e fisiologistas?
Turibio Leite de Barros – Eu acho que a lipoaspiração é uma cirurgia estética, não faz parte, certamente, do arsenal de recursos que deva ser utilizado no esporte. A lipoaspiração é um procedimento estético. De maneira nenhuma poderia fazer parte daquilo que um atleta faz uso para melhorar o seu desempenho. Até porque a resposta, inclusive, a médio e longo prazo, nunca seria positiva. Você tende a recuperar essa gordura, retirada com a cirurgia, se o jogador não mudar os hábitos, não mudar os fatores que vão determinar a existência deste excesso de gordura. Então, para o atleta, isto não deve fazer parte do arsenal que está a sua disposição.
Atualmente, Kaká precisa somente adquirir ritmo de jogo, informa Turibio. O fisiologista diz ainda que lesões no futebol moderno têm uma gravidade maior em relação ao que se via no passado
Universidade do Futebol – Hoje em dia no futebol profissional há mais e diferentes lesões se compararmos com o que acontecia há 20 ou 30 anos, quando a preparação dos atletas era outra?
Turibio Leite de Barros – Acho que as lesões, na verdade, são as mesmas [do passado]. O que muda, talvez, seja até a gravidade delas. E até a frequência ou a incidência delas [é maior]. Porque estamos na razão direta da evolução física do próprio esporte. Atualmente, o atleta corre distâncias muito maiores do que há três ou quatro décadas. Com isso, obviamente, do ponto de vista físico, a probabilidade de choques e de traumas aumenta na razão direta do aumento do vigor físico que o esporte é praticado. Então, acho que isso acarreta em uma maior gravidade muitas vezes, pois os choques acontecem em maiores velocidades, e a probabilidade de acontecer lesões traumáticas também acaba crescendo.
Universidade do Futebol – Hoje em dia, em vários clubes, tem se utilizado muito o trabalho de core training para a prevenção de lesões. Esta técnica realmente é eficaz para este objetivo? Quais são os pontos principais que ela pode ajudar o atleta a se lesionar menos?
Turibio Leite de Barros – O core training trabalha basicamente a propriocepção. E isto é um fator extremamente importante para a prevenção de lesões, como também na reabilitação das contusões. Então, é um procedimento relativamente recente no aspecto de seu uso no futebol, mas acho que ele tende a ficar muito mais presente e ser muito mais utilizado no futuro. Até porque o entendimento do princípio que está por trás deste modelo de treinamento requer, realmente, que o próprio profissional que o emprega seja melhor treinado e especializado para fazer isso adequadamente. Mas é um método que deve ser utilizado com toda certeza. É extremamente interessante.
Para Turibio Barros, fisiologistas atuais não podem ser meros executores de um método, como o teste do CK. Ele aponta que profissionais devam frequentar congressos científicos e sempre fazer cursos de aperfeiçoamento
Universidade do Futebol – Em alguns clubes no Brasil, parte das comissões técnicas e outros departamentos são permanentes. Qual a sua opinião a respeito? Em que este fato favorece a qualidade do trabalho desenvolvido junto aos atletas?
Turibio Leite de Barros – É evidente que a comissão sendo competente, sendo bem homogênea, que é muito importante que haja um grande entrosamento entre os profissionais da equipe, o resultado tende a ser cada vez de melhor qualidade. Quanto mais tempo estes profissionais têm para montar isso dentro do clube, evoluir isso, e dar continuidade nos métodos de trabalho, como criar um banco de dados, que possam proporcionar um melhor aproveitamento dos procedimentos que são feitos, melhor será. Então, sendo atendidos estes requisitos, sem dúvida nenhuma, é extremamente importante que haja uma continuidade e permanência dos integrantes de uma comissão por mais tempo possível, o que contribuirá para que se atinjam melhores resultados.
De acordo com Turibio, Cruzeiro e Atlético-MG têm dois dos melhores centros de treinamentos fora do Estado de São Paulo. Locais são referências para treinamento e recuperação
Universidade do Futebol – Pela sua experiência no futebol, em qual estágio se encontra o futebol brasileiro no quesito estrutura (CM, CT´s e recursos humanos) de apoio ao atleta? Poderia discorrer um pouco mais sobre o assunto, citando cases?
Turibio Leite de Barros – Isso evoluiu muito aqui no Brasil. Basta dizer que, na década de 90, que não está tão distante assim, o único clube que tinha essa estrutura era o São Paulo. Isso eu posso dizer de corpo presente. E, de lá para cá, praticamente hoje em dia todos os grandes clubes das capitais têm, mas também clubes de fora das metrópoles e até agremiações menores de divisões de acesso investiram nisso. Certamente, a tendência é que a gente evolua cada vez mais neste aspecto. Não há como você ter um trabalho de qualidade sem uma infraestrutura, sem logística, de equipamentos e, principalmente, de pessoal qualificado para dar essa retaguarda ao atleta. Basta lembrar que, quando você fala de fisioterapeuta, nutricionista, fisiologista, pessoal que trabalha neste suporte ao atleta, está se falando de profissionais que lidam com jogadores que são patrimônios de milhões de euros. Então, tem de procurar o que se tem de melhor para tratar de um patrimônio deste valor. E isso, sem dúvida, ficará cada vez mais qualificado. Mas, atualmente, temos muitos clubes bem estruturados. O Corinthians, por exemplo, evoluiu muito nisso, o Palmeiras montou uma boa infraestrutura, o Santos tem uma excelente. Fora do Estado de São Paulo, temos o Cruzeiro e o Atlético-MG, que têm dois centros de treinamentos fantásticos em termos de estrutura, de treinamento e recuperação. Os clubes do Sul também, como Coritiba, Internacional, e até quando você vai para o Norte e Nordeste encontra-se estruturas muito bem montadas nos clubes de futebol. Com certeza, foi uma das áreas que mais se evoluiu e que a gente pode dizer que é um dos fatores para se ter um prognóstico cada vez melhor neste âmbito da recuperação, da reabilitação, e até dos modelos de treinamento.
Universidade do Futebol – Turíbio, e este retorno do Kaká à seleção brasileira? Você conhece bem o atleta, já o tratou diversas vezes, inclusive recentemente, o que ele teve exatamente em âmbitos fisiológicos? Como está a recuperação dele?
Turibio Leite de Barros – O Kaká é hoje um jogador plenamente recuperado depois de uma fase realmente muito difícil que ele passou, com lesões sérias, que se tornaram até crônicas durante certo tempo. Mas que, em função de um investimento pessoal dele, de muita determinação, de muita força de vontade, ele conseguiu superar. E pouca gente teria superado o que o Kaká passou. Pouquissímos atletas estariam jogando como ele, passando o que ele passou. Atualmente, tenho a convicção de dizer que a história de lesões é uma página virada. Ele é um jogador perfeitamente íntegro, plenamente recuperado, com uma condição física cada vez melhor, que vai melhorar conforme ele aprimorar o ritmo de jogo, que é o que ele precisa agora de fato. Agora, a pubalgia dele não foi o problema que fosse a causa dos outros, na verdade, ela foi a consequência. A pubalgia surgiu nos desequilíbrios musculares. Quando ele corrigiu isso, ele absolutamente nunca mais teve problema. Na contramão até de opiniões que queriam submetê-lo a cirurgias para resolver este assunto.
Turibio aponta que a crioterapia é o método utilizado na recuperação de atletas que melhor tem resultados comprovados. Outros trabalhos, segundo ele, ainda precisam de uma melhor comprovação científica
Universidade do Futebol – Atualmente, o trabalho de crioterapia vem se popularizando nos departamentos médicos dos clubes brasileiros. No entanto, ainda há rejeição por boa parte de atletas, além da dificuldade da logística para realizar esta técnica em estádios distantes. Por isso, já há alguns profissionais realizando outros trabalhos para a recuperação no pós-jogo ou treino, como a eletroestimulação neuromuscular. Como o senhor vê esses outros métodos?
Turibio Leite de Barros – Existe ainda uma discussão muito grande sobre a efetividade de todos esses outros métodos. O único que eu diria que tem mais evidências, que se não chega a ser um consenso está perto disso, é a crioterapia. Este tipo de trabalho já está baseado em evidências muito consistentes a respeito da sua importância e da sua efetividade. Os outros métodos, seja a eletroestimulação, a manipulação, ou eventualmente, recursos alternativos, como a acupuntura, são todos que ainda carecem de uma melhor comprovação científica e as evidências que existem ainda geram muitas controvérsias, que não permitem você ter a mesma ênfase de indicar como se tem para a crioterapia.
Universidade do Futebol – Atualmente, pode-se dizer que a fisiologia do esporte aplicada ao futebol ultrapassou as ações laboratoriais e tem atuação direta no cotidiano dos clubes. Qual é o novo papel do fisiologista?
Turibio Leite de Barros – Eu acho que a fisiologia é, se ainda não é tende cada vez mais a ser, a área que vai trazer o conhecimento cientifico para o futebol. Então, o fisiologista, no meu modo de entender, não precisa ser o profissional que está diariamente na rotina do clube, viajando em todos os jogos, presente em todos os treinamentos. Eu acho que ele precisa estar presente, mas mais do que isso: ele precisa ser o portador das informações que vão melhorar a qualidade do trabalho dos profissionais das áreas correlatas. Ele precisa ser o cientista da comissão técnica. Ele tem de trazer a informação cientifica, isso é de responsabilidade dele. E, para isso, ele precisa frequentar congressos científicos, ele tem de fazer cursos de aperfeiçoamento, e conciliar esse aprendizado com a transferência das informações para que a qualidade do trabalho de todas as áreas possa evoluir. O fisiologista não pode ser um mero executor de um método, como o teste do CK [creatinofosfoquinase]. Ele teria de trazer a informação que de dosar o CK é importante, este é o papel dele.

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