segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ENTREVISTA DO TÉCNICO DO GALO SUB 17, DIOGO GIACOMINI.

Diogo Giacomini, treinador do sub-17 do Atlético-MG
Mestre em Treinamento Esportivo fala da sistematização da forma de jogar nos times da base mineira
Bruno Camarão

A realidade “principal” do Atlético-MG não é muito positiva. Com apenas 21 pontos conquistados após 22 rodadas realizadas, a equipe comandada por Cuca, que já teve também Dorival Júnior como treinador nesta temporada, sofre para sair da zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro. Entretanto, o degrau que vem logo abaixo no processo de transição para o profissionalismo, apresenta uma sustentação e um cenário promissor.
O time sub-17 atleticano, a partir de um trabalho que já chega à sua quarta temporada consecutiva, é dirigido neste período por Diogo Giacomini. O educador físico formado no Sul do país, com especialização e mestrado em Treinamento Esportivo pela Universidade Federal de Minas Gerais, entre outros títulos, faturou o bicampeonato do Torneio Future Champions – o deste ano disputado na África do Sul –, o Torneio Rio-Japão, o Estadual e foi semifinalista nas disputadíssimas Copa Votorantim e Copa Londrina.

Universidade do Futebol - Qual a sua formação acadêmica e como ocorreu seu ingresso no ambiente do futebol?

Diogo Giacomini - Sou graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Especialista e Mestre em Treinamento Esportivo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Meu ingresso no ambiente do futebol ocorreu ainda na graduação, no ano de 1999, quando comecei a estagiar nas categorias de base do Inter, de Santa Maria.

Após isso fui contratado pelo clube, no qual trabalhei como auxiliar técnico por quatro anos (dois anos no júnior e dois anos no profissional). Depois vim para Belo Horizonte fazer mestrado, onde já moro há oito anos, tendo trabalhado por duas temporadas nas categorias de base do América-MG, outras duas nas categorias de base do Cruzeiro e, atualmente, estou no quarto ano como técnico da equipe juvenil (sub-17) do Atlético-MG.
Universidade do Futebol - Como se dá a interação entre você, preparação física e comissão técnica, assim como com os outros profissionais que atuam no departamento de formação de atletas?

Diogo Giacomini - No Atlético acreditamos num trabalho multidisciplinar para a formação do atleta. Temos uma ótima interação, não só dentro da comissão técnica do juvenil, mas também com todas as áreas de apoio (Fisiologia, Psicologia, Nutrição, Fisioterapia, Pedagogia, etc.).
Como treinador, utilizo muito as informações e conhecimentos dos profissionais de todos esses setores para delinear o meu trabalho.
            Universidade do Futebol - De maneira geral nos departamentos de formação dos clubes brasileiros, há uma real preocupação didática do profissional que se responsabiliza por essa área em explicar e discutir os treinos? Como os atletas jovens podem desenvolver esse processo de autonomia e participar da construção de uma atividade?

Diogo Giacomini - De uma forma geral, acredito que está havendo uma mudança lenta, mas profunda, no futebol brasileiro. Os treinadores das categorias de base dos grandes clubes, em sua maioria, têm uma formação bem consistente, conceitos bem definidos e conseguem passar de uma forma didática e eficiente esses parâmetros aos jogadores.
Acredito que num médio prazo, teremos atletas mais participativos, autônomos e inteligentes, frutos desse processo.

  
Universidade do Futebol - O jogo de futebol não é feito apenas de fundamentos, movimentos técnicos, sendo a relação com a bola apenas uma das competências essenciais dessa prática. Como desenvolver esses mesmos jogos facilitando a aprendizagem da estruturação do espaço e da comunicação na ação?


Diogo Giacomini - Os “jogos situacionais”, também conhecidos na literatura como “jogos para desenvolver a inteligência”, são um ótimo caminho para desenvolver nos atletas a capacidade de jogo, ou seja, a capacidade do atleta em tomar decisões corretas considerando o tempo, o espaço e a situação do jogo.

Jogo de posse de bola
Dividir 3 equipes com 4 jogadores cada. Uma das equipes deverá começar marcando, enquando as outras 2 trocam passes entre si (criação de situação 8 x 4). A equipe que errar um passe ou for desarmada deverá iniciar a marcação.
Pedir aos atletas para se movimentarem, não ficando fixo no lugar como se fosse um bobinho.
 Universidade do Futebol - Há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática?


Diogo Giacomini - Acredito que não. Creio que o desenvolvimento da técnica através do treinamento em forma de jogo já está bem difundido entre os treinadores. 


O que eu observo, na verdade, é uma “supervalorização” desse tipo de treinamento por parte dos treinadores, talvez influenciados pela literatura “moderna” sobre futebol.
Não podemos esquecer que o treinamento técnico inserido no contexto tático é ótimo para melhorar a tomada de decisão. Para melhorar, porém, o gesto técnico em si, o treinamento analítico é o mais indicado. Os dois devem ter espaço no planejamento dos treinos.
  
Universidade do Futebol - Como você pensou e sistematizou a forma de jogar do sub-17 do Atlético-MG? Há uma linha metodológica semelhante à realizada pelos treinadores das equipes precedentes e do sub-20 e principal?

Diogo Giacomini - As categorias de base do Atlético, através de discussões entre os treinadores e a coordenação técnica, sistematizaram já há algum tempo uma forma de jogar que parte do 4x4x2 (quadrado ou losango) como sistema padrão, podendo haver uma variação para o 4x3x3.
Acreditamos que assim formaremos jogadores com ótimas noções de coberturas, inteligentes para marcar por zona, com mais vocação para o jogo ofensivo, além de facilitar o surgimento de “meias” de criação, tão carentes no futebol atual.
Em relação à equipe profissional, esse “alinhamento” da forma de jogar com a base depende muito do treinador que está dirigindo a equipe no momento, o que é um fator limitador desse processo.

O jogo inicia com o lateral, criando vantagem numérica 5 x 4. O objetivo é desenvolver o jogo pelo meio com o lateral entrando na diagonal. 

Os defensores divididos em duplas tem como função desarmar e passar a bola para o lateral na beirada do campo. O lateral cruza para a dupla que roubou a bola. Apenas o lateral pode marcar, criando uma situação de 2 x 1.

Universidade do Futebol - Em se pensando o futebol no aspecto humano e social, você acredita que a influência da cultura condiciona um determinado tipo de comportamento? É possível se falar em escolas regionais de futebol?

Diogo Giacomini - Sem dúvidas. Apesar de os grandes clubes contarem com jogadores oriundos de todos os estados do Brasil, é muito clara a influência, não só da cultura, mas também do clima de cada localidade na forma de jogar do clube.
Por exemplo: clubes do sul tendem a jogar um futebol mais intenso, com mais força, de mais jogo direto, provavelmente pela característica da colonização européia e do clima mais ameno.
Já em estados onde o calor é muito intenso, percebe-se uma escola mais cadenciada, de posse de bola.
Outro exemplo é a evidente habilidade dos jogadores oriundos do Nordeste, onde a maioria começou a jogar futebol na praia. Enfim, acredito que podemos falar, sim, em escolas regionais de futebol.
Universidade do Futebol - A análise de desempenho, com o acompanhamento de dados, pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica na iniciação ao futebol? Como o Atlético-MG trabalha este aspecto?

Diogo Giacomini - Trabalhamos com todos os dados possíveis inerentes a cada variável que interfere no rendimento, seja essa variável física, técnica, tática ou psicológica. Devemos tomar muito cuidado, porém, na leitura e interpretação desses dados.
Algumas vezes temos atletas que têm ótimos dados em alguns dos aspectos citados acima, mas no jogo não conseguem apresentar o mesmo desempenho. Isso se explica porque o rendimento de um jogador é um fenômeno um pouco mais complexo do que uma simples somatória de alguns números.
Universidade do Futebol - Como detectar aspectos de liderança em jovens? Você procura executar exercícios específicos para potencializar essa capacidade em determinados atletas? Como você trabalha essa questão?

Diogo Giacomini - Temos no clube um departamento de psicologia muito competente. Eu tenho uma psicóloga específica para a categoria juvenil e ela me ajuda a detectar características de liderança dentro do grupo para que eu possa utilizá-las de forma positiva para o trabalho.
Procuramos também, através de dinâmicas de grupo e nos próprios treinamentos, fazer “aflorar” outras potencias lideranças.

Universidade do Futebol - De maneira geral, como você avalia o processo de detecção e desenvolvimento de talento do jogador de futebol no Brasil? Os grandes clubes formadores sabem exatamente que jogador estão procurando para fazer parte desse contexto? Em que realidade se encontra o Atlético-MG?

Diogo Giacomini - São dois processos distintos. Acredito que o “desenvolvimento” do talento, depois que este chega nos grandes clubes do Brasil, está sendo bem realizado de uma forma geral. Temos pelo menos oito clubes de ponta no país com um ótimo trabalho na formação de atletas. Já a “detecção” desse talento, acredito que ainda possa ser melhorada, pois estamos longe do ideal.
Os clubes ainda acreditam muito no seu escudo, na sua marca, para que o talento chegue até ele. Ocorre que devido à perda de espaços para prática de esportes nos grandes centros, reflexo da urbanização, aliada à crescente violência nestas cidades, as experiências motoras das crianças estão cada vez mais limitadas.
Com isso, a tendência é que os talentos surjam cada vez mais nas cidades bem interioranas, com poucos habitantes, onde muitas vezes os clubes ainda não começaram a garimpar.
Outro aspecto a mencionar é que os clubes carecem de uma maior profissionalização desse processo, na qual possam incluir diferentes formas de avaliações técnicas, táticas, físicas, psicológicas, para avaliar o jogador de uma forma mais global.

Universidade do Futebol - No Brasil, é hábito treinar em dois períodos. Isso acontece tanto nas equipes de base (especialmente sub-17 e sub-20), quanto nas equipes profissionais de 1ª ou 2ª divisão. Mas como conseguir em treinos de dois períodos manter a máxima intensidade nas atividades, se o acúmulo ao longo de horas, dias e semanas, leva a incompletas recuperações de uma sessão a outra? Como jogadores que não se recuperaram plenamente podem conseguir agir em máxima intensidade por todo o treino?

Diogo Giacomini - Há diferentes formas de montar-se um microciclo eficiente de treinamento no futebol. Vejo essa particularidade de treinar alguns dias em dois períodos no Brasil como uma questão cultural.
Sabemos que uma sessão de treino por dia (de 1h30 a 2h de duração) seria suficiente para alcançar os objetivos do dia. No Brasil, porém, os jogadores nem sempre utilizam o tempo livre para recuperação ou descanso e também não têm uma consciência extremamente profissional em relação à alimentação, hidratação, sono, enfim, as variáveis que devem ser controladas para uma recuperação completa.
Com isso, os clubes optam por microciclos, com alguns dias com dois períodos de treinamento a fim de controlar com mais eficiência todas essas variáveis citadas anteriormente.
Universidade do Futebol - Neste ano, além do título do Torneio Future Champions Gauteng, disputado no mês de março, na África do Sul, o Atlético alcançou as semifinais da Copa Brasil, um dos principais torneios da categoria. Qual avaliação você faz sobre o nível da competição e o desempenho do seu grupo de atletas?

Diogo Giacomini - Se você analisar as principais competições de categorias de base do país, você vai perceber que temos um grupo de seis a oito clubes que sempre estão disputando lá em cima, entre os quatro primeiros. O Atlético-MG é um deles.
Há uma grande diferença: “categoria de base” todo clube tem, agora “trabalho de base”, ou seja, investimento, estrutura física, recursos materiais e humanos, metodologia de trabalho, etc., são particularidades de alguns grandes clubes do Brasil, e esses é que estão sempre chegando nas competições nacionais.
Considero o sub-17 do Atlético-MG nesta temporada um dos melhores da categoria.

            Universidade do Futebol - O sub-17 do Atlético-MG conta com a presença de um jovem do Cazaquistão, o Rauan. Quais peculiaridades você destacaria deste atleta e de que maneira o clube age no processo de intercâmbio cultural de atletas? 

Diogo Giacomini - O Atlético tem um programa de intercâmbio para receber atletas de outros países, os quais pagam ao clube para treinar durante um determinado período nas nossas equipes de base. O caso do Rauan foi diferente.
Ele chamou a atenção do nosso departamento de captação de atletas pelo fato de ter sido artilheiro do campeonato paulista sub-17 ano passado pelo Olé Brasil. Como esse é um clube parceiro do Atlético, pedimos para que o atleta viesse treinar por um período com a nossa equipe sub-17.
Quando vimos que se tratava de um atacante com características interessantes, com uma ótima finalização com os dois pés, pedimos a contratação desse atleta.


FONTE: UNIVERSIDADE DO FUTEBOL

Nenhum comentário:

Postar um comentário