segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

HOMENAGEM A TODOS OS FERROVIÁRIOS DE TRÊS CORAÇÕES-MG E DO BRASIL,EM ESPECIAL AO MEU PAI O Sr. ANTENOR LÚCIO .

Na oficina que eu trabalhava tinha muitos empregados


José Vítor Pereira, ferroviário
Nome completo do senhor e data de nascimento?
Meu nome é José Vitor Pereira. Eu tenho duas idades, mas eu 
gosto mais de me 
identificar pela idade de nascimento, que é 24 do 8 de 1924.
 Eu nasci na cidade de Três Pontas
A lembrança de infância, Três Pontas não estava ainda 
em progresso, 
era mais estrangeiro que veio pro plantio de café, que veio pra 
trabalhar 
em lavoura. Meu pai veio para trabalhar em lavoura. 
A lembrança que eu 
tenho é que na parte da manhã eu trabalhava num salão de
barbeiro e
 estudava à tarde. 
Quando passei de ano pra parte da manhã, eu trabalhava 
de tarde e de manhã estudava. Foi uma vida muito sofrida 
porque não tinha progresso, não tinha empregos, 
então a cidade era bem paradinha.
Qual o nome dos seus pais?
O meu pai, o nome é bem difícil, o meu pai chamava 
Dercideu Guimarães Pereira e minha mãe, 
Maria da Glória Pereira. 
Somos só três filhos e todos os três José.

Como foi seu trabalho de barbeiro?
Eu mesmo que pedi pra ele pra trabalhar, era um 
serviço só de limpeza,
limpar os espelhos, o fregues terminava de cortar o cabelo,
 passava uma escova para limpar as costas dele, passava uma 
escova no sapato, então é certo este serviço. 
A profissão mesmo eu não aprendi.
Quando o senhor veio para Três Corações?
Antes de vir pra Três Corações eu vim para Varginha
com 11 anos, 
e sai de lá com 19 anos, e fui trabalhar em Piquete, na 
ocasião da guerra. 
Eu morava em Lorena, mas trabalha em Piquete, i
a todo dia de trem e voltava. 
Tinha um trem que levava os operários. 
Piquete era uma cidade que tinha uma fábrica, 
a fábrica Presidente Vargas. Era do exército, 
e essa fábrica fabricava só explosivo para a guerra. 
Era uma fábrica grande, tinha quase mil operários.
E trabalhei lá três anos e seis meses, depois que eu 
trabalhei lá é que eu vim para Três Corações, que eu 
entrei naferrovia. O serviço que eu fazia em Piquete era 
serviço de explosivo: fabricava pólvora, metralhadora, fuzis.
Mas eu trabalhava na fabricação de dinamites.
 Era fabricado com nitroglicerina, que era o maior 
explosivo daquela época.
 Antes da bomba atômica era tudo nitroglicerina. 
Então eu trabalhava na fabricação de dinamites, não só 
encaixotava como fazia aquelas bananas, que põe em rocha 
para explodir pedra. Sempre dava acidente, eu presenciei 
umas duas ou três explosões. Saía pra trabalhar e 
não sabia se voltava. 
Eu saí de Lorena e de Piquete em 45, casei fiquei uns meses 
depois vim pra cá. Vim para Três Corações e não
 voltei mais para Varginha.
Por que o senhor veio para Três Corações?
Minha mãe morava aqui e ela influenciou muito, pediu para 
que eu viesse morar aqui. Até foi ela mesmo que encaminhou 
todos os papéis para eu entrar na ferrovia. Eu vim aqui pra 
pegar passe pra fazer exame de saúde, que a ferrovia pedia 
naqueles dias, e foi ela que arrumou pra mim.
Como era Três Corações quando o senhor veio morar aqui?
Três Corações naquela época não estava muito em 
progresso porque Três Corações não tinha fábricas.
O emprego que mais se disputava era a ferrovia, que 
tinha bastante empregados. Inclusive na oficina que eu 
trabalhava tinha muitos empregados.
Qual o cargo que o senhor exercia na ferrovia quando
 o senhor entrou?
Olha, em Piquete, quando eu deixei a fabricação de
explosivos, 
eu fui trabalhar na fundição, eu exercia a profissão de fundidor.
 Quando eu cheguei aqui, não tinha esta vaga poque a fundição
 aqui era pequena. E o meu chefe disse: “o serviço
 que tem para 
você aqui é abastecer locomotivas de carvão, lenha”. 
Então eu aceitei porque voltar pra Piquete ficava feio. 
Então não quis voltar, eu aceitei e fui lá embaixo.
 Entrei num começo bem trabalhoso, debaixo de chuva, 
debaixo de sol. Era trabalhador contratado depois de 
um ano é que eu efetivei.
Quem eram seus colegas de trabalho?
Depois que eu deixei este local de trabalho que o
 chefe me levou para trabalhar dentro da repartição, 
onde se fazia reparação de locomotivas, dava assistência 
quando quebrava. Este prédio é um prédio 
abandonado quando
você sobe a rua Cabo Benedito Alves. 
Está parecendo um cemitério. 
Tudo ali era oficina, trabalhava bastante gente,
 locomotiva 
movimentando o dia inteiro, vindo aqui no Triângulo virar, 
quando ia fazer uma viagem, tinha que vir de frente, tinha que 
virar no triângulo. Por isto que este bairro aqui chama 
Triângulo, 
por causa da triângulo da ferrovia. Mas aqui a Rua Primeiro de Maio,
 hoje é centro, mas aqui o costume é chamar de Triângulo, 
por causa da linha do trem.
Na oficina eu entrei como ajudante de ferreiro e depois 
assumi a forja, 
e assumindo a forja eu desenvolvi bem, passei a trabalhar e fazer 
trabalhos que aparecia e nesta altura, me deram uns cargos
 mais tarde de acordo com os níveis que eu fui chegando, me deram 
o cargo de chefe de turma, e como chefe de turma era complementado 
do meu nível ate o chefe de turma. Passei a ser chefe 
de turma de caldeiraria.
Que tipo de peças o senhor fazia na fundição?
Fazia peças pra locomotivas, peças que quebravam,
molas, braçagem, 
que fazia aquele movimento das rodas. Fazia muitas 
peças que quebravam,
a gente fazia e reparava a locomotiva aqui mesmo.
Depois eu virei chefe de turma da caldeiraria. 
Não era bem caldeiraria, 
tinha outro nome, mas a caldeiraria era fundida neste 
setor metalúrgico, 
chefe de turma metalúrgico. E caldeiraria era junto 
com a metalurgia.

Quem era seus colegas mais próximos dentro da oficina?
O Ademar Magalhaẽs Neves e o Djalma era seu irmão. 
Dentro do setor que eu trabalhava tinha o Valdemar dos Santos,
 Domingos Borges Carvalho, Alfredo dos Santos, quem mais?
Alcino Cassiano e vários companheiros, muito companheiros, 
tinha mais de 100 companheiros dentro da oficina.

Qual horário que o senhor fazia de serviço?
Eu fazia das 7 horas da manhã às 4 da tarde, e trabalhava
 também no setor de acidentes. Quando descarrilhava uma 
composição, uma locomotiva, ou tombava, então nós deslocava 
pra ir lá fazer o trabalho de recuperar aquele acidente para que 
a linha passasse a funcionar normalmente.
Era comum descarrilhar?
Dificilmente passava uma semana sem um acidente 
porque a linha era fraca, os dormentes não estavam 
bem reformados, principalmente a madeira apodrecia e
 não trocava a linha ficava ali não muito segura, 
então o trem passava e descarrilhava, né? E nos
 éramos acionados para ir lá.
Como é que colocava uma locomotiva de novo no trilho?
Nós colocávamos através de macacos a braço,
 não tinha macaco a ar, não tinha macaco a óleo, nada. 
Então era macaco a braço e era mais demorado o serviço 
um pouquinho porque era só no braço. Ia tocando e a rosca, 
ia saindo e subindo a locomotiva. Quando tombava
tinha que destombar, 
fazia um processo. Na nossa gíria era ‘fazer o morto’, 
fazer o morto 
era cavar um buraco no chão, colocava dormentes, punha correntes 
para ficar bem forte, engatava as correntes na locomotiva e punha
 a talha, puxava na talha e ia ajudando nos macacos. Certo?
 Ela ia levantando, levantando… e costumava também, se ela
 estivesse longe da linha que ela tombou, fazia uma linha provisória,
aí ela tombava naquela linha provisória e nos engatávamos mais na
frente e ligava com a outra, e aí saia da linha principal. Quando era 
socorro assim não tinha hora, a oficina aqui dava três apitos, 
chamando as pessoas pra ir. Então as pessoas que eram escaladas 
tinham que levantar, podia estar chovendo, fazendo frio, 
tinha que levantar e ir.
 E quando ela chegava no local do acidente, não tinha hora 
para almoçar, nem 
jantar, e nem dormir. Só depois que terminava o serviço 
é que nós ia descansar um pouquinho.
Qual o lugar mais difícil que o senhor foi como socorro?
Um dos acidentes mais difíceis que eu achei no período que eu 
trabalhava na ferrovia foi antes de eu aposentar. Nós chegamos
 e eu não perguntei o que tinha acontecido, qual o motivo,
 o vagão que tinha tombado, não perguntei nada. 
Saí daqui com o guindaste, nesta época já tínhamos um 
guindaste.
 Ele ajudava a levantar a locomotiva, um serviço que nós demorava 
24 horas, o guindaste levava duas. E nós saímos com o guindaste, 
quando chegamos lá no local do acidente, era uma ponte que
estava sendo colocada e o operador, não sei se ele descuidou, 
só sei que a ponte foi andando, foi andando e caiu no rio, levou o
guindaste junto, o guidaste caiu lá em embaixo. Este foi o mais difícil, 
ficamos vinte e poucos dias neste serviço. O serviço era bem grande,
 a gente dormia, descansava um pouquinho, trabalhava até certa hora 
da noite e só descansava um pouquinho, voltava de manhã.
 Trabalhava dentro de água, quando chovia. Então quando eu
voltei aqui para sede, eu requeri minha aposentadoria. 
Os companheiros achavam que eu fiquei apavorado com 
aquele acidente e sofri muito, e estava aposentando
por causa disto, mas não é. Foi porque eu tinha tempo
 pra aposentar. Eu tinha outras responsabilidades então
 eu achei por bem sair.
Quando tocava a sirene da ferrovia?
Ela tocava as seis e meia e quinze para as sete, quando 
chegava sete horas, tocava mesmo para pegar no serviço. 
Tocava às onze horas, pra nós terminar pra almoçar, e depois 
tocava quinze pro meio dia, e depois meio dia, pra voltar. 
Era uma hora de almoço, depois parece que passou 
pra hora e meia. 
Tocava duas vezes, tocava alertando que era pra gente
ir embora, 
quando a gente tava lá que tocava outra. De tarde tocava às quatro 
e meia, era um só. Era apito, depois passou a ser sirene. 
Já estava acostumado com os apitos.
O que fazia no lazer?
Não tinha lazer nenhum, era só trabalho. 
Tinha colegas que se encontravam para jogar truco, 
outros para jogar uma bola, mas eu já não me envolvia
 com isto aí porque eu não gostava, 
já me envolvia mais com família.
Construí esta casa em 1950.
O senhor aposentou quando?
Eu aposentei no dia 1º de setembro de 1974, tô com 
36 anos aposentado, vou requerer outra (risos).
O senhor viajou muito de trem? Até onde o 
senhor já foi de trem?
Em férias, tinha passe gratuito, eu e a família. 
Quando estava em serviço também tinha passe. 
Sempre viajava de férias, porque eu outras ocasiões 
não tinha oportunidade. Mas a gente viajava em serviço, 
por exemplo, eu fui várias vezes em BH. Demorava 
quase 24 horas daqui lá.
 Saia daqui uma hora da tarde, porque fazia uma
 espécie de um triângulo: 
ia lá em Iguatama, na estação chamada Garça. Então a ferrovia ia lá 
em Iguatama e depois voltava. Então saía aqui uma hora e, correndo
 tudo bem, chegava às dez horas da manhã, do outro dia. 
Tinha carro de dormitório para a pessoa dormir.
O senhor tem saudade de andar de trem?
A gente sente saudade, aquele barulhinho dos trilhos, 
aquelas emendas faziam tec-tec, tec-tec, (risos)
Como o senhor vê a ferrovia hoje? O senhor vê
a possibilidade de voltar?
Acho que não existe a possibilidade porque esta ferrovia foi 
construída em tempos passados, que não tinha recursos, então 
os engenheiros acompanhou as curvas do rio. Hoje é diferente. 
Hoje você vai construir uma ferrovia e só faz retas, porque as curvas, 
além de facilitar para tombar, é demorado. Alguém ainda disse que os 
engenheiros ganhavam por quilômetro de construção dos trilhos, 
mas eu acho que não, não tinha condição, o
 desaterro era feito em carroças. 
Não tinha caminhão, não tinha nada, hoje tira a montanha aí,
 transporta a 
montanha em pouco tempo. De acordo com o 
progresso pode voltar, mas 
vai voltar uma ferrovia moderna, esta não tem mais condições. 
Aí teria que fazer novas linhas, uma bitola mais larga, 
e mais velocidade. Hoje o povo quer velocidade, 
a população quer velocidade, quer ganhar tempo. 
E vai chegar o tempo que um presidente sai lá da Europa, 
corre o mundo todinho e ainda vai dormir em casa.
Tem algum fato ou acontecimento que o senhor
 queira compartilhar?
O que eu gostaria de te contar, quando eu trabalhei na ferrovia, 
os companheiros diziam do sofrimento do passado, e achava que 
nós já estávamos numa fase muito melhor e eu já dizia para os que 
vinham chegando que a gente tinha sofrido e a fase que ia alcançar. 
Porque sempre foi melhorando e aperfeiçoando, mas não chegou no 
aperfeiçoamento total.
Da ferrovia eu não tenho saudade, eu tenho saudade 
dos companheiros, porque eu dei a minha vida pra ferrovia, 
mas a ferrovia me pagou, nós trocamos. Mas deixamos boas amizades, 
muitos companheiros partiram pra eternidade e nós somos 
os remanescentes, que estamos ficando esperando também.
 Eu hoje estou com 87 anos, 36 anos aposentado e espero que 
Brasília e as autoridades voltem seus olhares para a ferrovia, 
porque é um transporte que tem condições de dar muito lucro. 
No caso da Mangels aqui, enquanto um caminhão carrega uma
 bobina, só uma prancha de ferrovia, carrega cinco, seis. 
Olha que vantagem! Então todos os países que voltam 
seus olhares para a ferrovia é país desenvolvido, 
sabe que a ferrovia resolve mesmo.
O que o senhor fez depois que aposentou?
Assim que eu aposentei eu fui procurar estudar, eu fiz quatro 
anos de teologia, eu procurei estudar porque eu assumi a re
sponsabilidade 
da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, que era bem pequena 
aqui, e assum
i esta responsabilidade e procurei estudar, e estou com 36 anos 
pastoreando. 
Aqui em Três Corações eu sou o pastor mais velho e nunca quis 
ganhar, eu não 
sou remunerado, nunca quis, sempre eles quiseram, mas eu nunca 
quis porque 
trabalho por amor, e Deus me abençoou muito, porque eu consegui 
criar oito 
filhos e estes oito filhos já estão tudo encaminhado, pra que que 
eu vou querer 
dinheiro? Tenho dezesseis netos e bisnetos, tenho dois.
O que o senhor achou de contar estas histórias para a gente?
É muito bom, porque isto aí vai ficar pra passar pras gerações que vão vir. 
Eu tenho um retrato de Três Corações bem no começo. Então são coisas 
boas, quando a gente vê esse retrato do início da ferrovia e vê hoje por 
exemplo, em relação aquela época quer dizer que evoluiu muito.

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