segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Professor é a profissão mais linda que existe

Entrevista com Haydee Iemini Goz gravada em 2008 para o projeto Memória da Educação Tricordiana, em Três Corações (MG). Pesquisadores: Andressa Gonçalves, Luis Felipe Branquinho e Paulo Morais. Foto: Paulo Morais.
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Eu nasci em Varginha, em 4 de julho de 1921. Meu pai se chamava Roberto Iemini e minha mãe, Maria Ghetti Iemini. Meu pai trabalhava muito, porque a família era muito grande. Educar todo mundo era muito difícil. Ele tinha uma confeitaria e ele mesmo fazia os doces. Eu nunca mais vi doces iguais aos dele. Ele aprendeu num curso de confeiteiro na confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, mas mudou pra Varginha e abriu a confeitaria quando eu ainda era pequena. Eu tinha mais nove irmãos: cinco homens e cinco mulheres. Eu era a do meio. Apesar das dificuldades do meu pai, todos estudávamos e todos se formaram. Eu e minha irmã Clotilde estudamos no Colégio Santos Anjos, e meus irmãos estudaram no Colégio Marista. Era difícil estudar, pois era escola particular e tinha que pagar.
O colégio era de freiras, muito rigoroso e muito apegado à religião. Nós rezávamos muito. Tinha uma época do ano em que tinha um retiro espiritual. Eram três dias só rezando, pra depois confessar e comungar. Eu ia pra escola às sete horas e ficava o dia inteiro, mas dormia em casa. O colégio Marista era só pra homens. Era muito natural pra época ficarmos separados. Naquele tempo, era tudo muito difícil. As meninas, por exemplo, com mais idade, com 16 e 17 anos, ficam loucas pra namorar e lá no colégio não tinha jeito. Houve um tempo que os meninos iam pro nosso colégio assistir os jogos que tinha. As meninas ficavam todas assanhadas.
A gente tinha livro pra cada matéria e comprava na escola mesmo. Tinha livro de geografia, história, matemática. Nas carteiras, tinha um tinteirinho do lado e a gente escrevia com caneta-tinteiro, era diferente dessas esferográficas. Quando eu comecei a dar aula, já não usava mais essas canetas. A tinta era fornecida pela escola, mas era difícil pra acabar, tinha que escrever muito. Não durava o ano inteiro, porque a tinta secava, e aí colocava mais. Eu me lembro que meu pai era muito bravo. Tudo o que a escola falava, tinha que acatar. Ele não tinha grande curso, mas sabia mais do que qualquer aluno que saía do ginásio, porque, na Itália, o curso deles era mais forte.
Eu não tenho a vocação pra magistério, eu nunca tive. Pra mim, foi um engano da vida. Na hora de entrar na sala de aula eu tremo, fico pálida, até entrosar. Depois melhora um pouco, mas toda vez era desse jeito. Eu entrei em sala de aula logo que formei, por volta de 1940. Primeiro, foi no Grupo Brasil, por quatro a cinco anos, não me lembro muito bem. Dava aula no primário, e a gente tinha muito apoio naquele tempo. Não era como agora que o professor fica abandonado na escola. A nossa diretora, Aída Rezende, tinha uma maneira diferente de dirigir. Ela fazia um plano de aula da semana pra cada professor e entregava num caderno. A gente desenvolvia aquilo e era muito bom, porque a gente tinha confiança no que ensinava. Não sei bem como é hoje, mas eu tenho a impressão de que o professor fica abandonado. Em Varginha, também lecionei no grupo Affonso Penna, mas apenas substituindo professores.  Era tudo misturado: meninos com meninas. Dei aula no primeiro, terceiro e quarto anos. Era uma sala pra cada série. Ensinávamos todas as matérias e tínhamos que preparar bem a aula. Vinha tudo explicadinho no plano da diretora. Ela tinha feito um curso em Belo Horizonte pra orientação e achou melhor trabalhar dessa forma.
Eu aprendi a ler e a escrever pelo método do beabá, aquele grosseiro. Mas, nesse tempo, que comecei como professora, o método de alfabetização se chamava Método Global, e era conhecido também como Método da Lili. Não se ensinavam palavras ou letras separadas, ensinava uma história. Tinha uma cartilha, que tinha a personagem Lili, com uma história em cada página. Cada dia, a gente estudava uma historinha diferente. A gente escutava, representava, fazia teatro com a historinha. Depois, íamos separando as palavras, as sílabas e as letras.
Eu achava esse método muito bom, porque depois de os alunos representarem, eles já tinham entendido a história ou até mesmo decorado. Eu não me lembro muito bem das historinhas. Tinha uma que falava das meias da Lili, mas não me lembro bem. Naquele tempo, os alunos eram mais comportados, acho que eram até mais inteligentes, pois faziam questão de aprender e adoravam as histórias. Eles correspondiam ao professor, e aí dava alegria. Quando eu parei, achei que estava muito difícil de lidar com a clientela. Os meninos não obedeciam, só sobre ameaça de castigo ou de chamar o diretor.
Assim que eu me casei, dei um tempo como professora. Meu marido, Jair Goz, era comerciante de tecidos, tinha uma loja em Varginha, e não queria que eu trabalhasse. Naquela época, tinha essa história de que mulher não podia trabalhar. Mas foi bobagem, porque se eu tivesse trabalhado, eu poderia ter ajudado ele muito mais. A loja dele era muito boa, mas, de repente, ele não conseguia mais pagar as compras que fazia. Então, o negócio não foi mais pra frente. Ele resolveu ir pra São Paulo, trabalhar com venda de móveis, e eu vim pra Três Corações
No Luisa Gomes, eu dei aula pro primário, do primeiro ao quarto ano. Depois, por causa da minha tendência a pintar, eu aceitei um curso pra lecionar na escola industrial, que aconteceu no Rio de Janeiro, por volta de 1965. Fiquei lá por um ano. A gente acaba fazendo alguns cursos a mais porque sobrava vaga. Então aprendi a fazer encadernação, lixeira, desenho geométrico, decoração. Depois desse curso, fui trabalhar na Escola Clóvis Salgado. Lá tinha um pavilhão, nos fundos, onde funcionava uma escola industrial. Quando essa escola foi inaugurada, deixou todo mundo animado na cidade, porque não tinha nenhum outro colégio deste tipo aqui. Cada professora ensinava uma coisa. Eu ensinava desenho, bordado, que as meninas eram loucas pra aprender, e pintura no pano. Como tinha pouco material, as alunas faziam bonecas de pano e vendiam. Com o dinheiro, a gente comprava outros materiais, porque, nessa época, o governo já tinha se esquecido da escola. A diretora era a dona Iracema Lefort.
A escola industrial funcionava à parte. Me lembro de alguns professores: a Graça Pascoal, a irmã da Graça, Marilu, e a Cora Emília. Todo dia, os alunos estudavam cedo no grupo e, de tarde, iam pra escola industrial. Minha aula começava à uma hora da tarde e terminava às quatro. Tinha aluno que gostava e fazia trabalhos lindos. Nós até conseguimos fazer uma exposição. Vendeu bastante, o suficiente pra começar o ano letivo. Eu soube de uma moça que passou a fazer camisas de homem pra vender. Ela aprendeu com uma senhora que dava corte e costura na escola industrial e se deu muito bem na vida. Pros homens, a dona Iracema conseguiu arranjar madeira, porque tinha uma banca de carpinteiro. Então, tinha um homem, que não me lembro o nome, que dava aula de marcenaria. O colégio foi muito bem freqüentado, mas depois foi caindo por falta de material, e ninguém queria ficar lá sem fazer nada. Eram poucos alunos; então a gente tinha o cuidado de ensinar o que interessasse pra eles. Eu fiquei no Clóvis Salgado por cerca de quatro anos, até que a escola industrial fechou de vez. A escola começou com pouca gente e acabou também de qualquer jeito. Acontece que a construção do Polivalente matou a escola, porque a distância de uma escola pra outra não podia ser tão pouca. Foi um deputado que fez a outra escola, mas ele podia ter feito em outro lugar.
Então eu tive que passar meu cargo no Clóvis Salgado e fui pro Estadual, onde fiquei até aposentar. Ainda era o prédio antigo, bem velhinho. Quando a gente andava, as tábuas balançavam. Depois, construíram o colégio atual e desmancharam o prédio antigo.
Eu dei o mesmo tempo de aula que minha irmã Clotilde, só que ela gostava. Foram 30 anos de carreira. Mas minha paixão mesmo é a pintura. Acontece que, no meu tempo, mulher não tinha opção de trabalho. É isso que aconteceu com a gente. Porque se tivesse outra profissão, eu acho que seria arquiteta ou qualquer outra coisa assim. Naquela época, a mulher não era pra trabalhar, era pra ficar em casa. Profissão de mulher era professora e acabou. Além disso, a nossa família era muito grande, meu pai era pobre e trabalhava sozinho. Então ficava muito pesado, e ele precisava da nossa ajuda. A gente trabalhava pra ajudar a criar a família, os irmãos menores. Todos os meus irmãos trabalharam.
Eu tive alunos muito bons, que foi muito gratificante dar aula pra eles. Eu sempre fui muito tímida, até hoje sou. Você não imagina como eu esperei a chegada de vocês. Às vezes eu converso com colegas professoras de hoje. Eu acho algumas ótimas professoras. Reclamam muito das condições pra ter uma boa escola, do ordenado, que também não é uma beleza. Eu acho que elas têm razão, têm que reclamar mesmo. Elas não têm preguiça: chegam, começam a dar aula e não tem enrolação. Então, se a professora não tem preguiça, não tem enrolação, cumpre a obrigação, tem que ser respeitada. É o que eu falo: eu não fui ótima professora porque não era a minha praia, mas eu tenho consciência de que eu fiz bem o meu trabalho. Fui querida pelos meus alunos. Acho que, se a gente tem consideração pelos alunos, a gente merece respeito.
Professor é a profissão mais linda que existe. E todo mundo depende do professor. Não tem uma pessoa que não dependa do professor. Se você conseguir realizar a sua missão, então, é uma coisa maravilhosa. Mas hoje, eu acho que falta um pouco mais de respeito. Você, pensa bem, ouvir um aluno falar: “eu vou matar a professora”…  Não é assim. No meu tempo, nunca ouvi um caso desses. Hoje a gente ouve bastante. Os meninos estão precisando de mais educação. pra isso, eu acho que o pai devia freqüentar a escola, ir lá de vez em quando pra saber como é que faz. Não sei se é verdade que o problema é o trabalho, que o pai tem que trabalhar e descuida um pouco da família. Pode ser isso também, mas que faz falta, faz.
Eu acho que dá pra ter um pouco mais de educação com os filhos. A minha mãe ia muito na minha escola, ela costurava uniforme pros alunos, então ela estava sempre em contato com as freiras e as professoras do colégio. Isso era muito bom. No meu tempo de professora, raramente os pais iam, o que eu acho uma falta. Na escola onde eu estudei, as festas de fim de ano, de igreja, eram uma oportunidade pros pais conhecerem os professores
Hoje, não tem isso mais, só quando acontece alguma coisa na escola e a professora pede pra falar com os pais é que eles aparecem.
Se a pessoa quiser trabalhar com educação, ela pode fazer tudo o que ela tiver vontade de fazer porque será muito gratificante. Infelizmente, eu fico pensando nos nossos políticos. Será que nós educamos direito?

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