sábado, 18 de fevereiro de 2012

PELÉ: A HISTÓRIA QUE FALTOU

POR:  Silvestre Gorgulho  





O  Goleiro Bilé, do Vasco da Gama de São Lourenço (MG)

Uma foto importante e histórica, pois mostra o time do Vasco da Gama de São Lourenço, no seu campo de futebol, tendo ao fundo o tradicional Hotel Brasil, em frente ao Parque das Águas. Na foto, dá para identificar bem, de terno, os médicos e apoiadores do Vasco, Rafael Reis e Emílio Abdon Povoa. Ainda, Gradim (cabisbaixo) ao lado de Dondinho (pai de Pelé) e Cotti.
Agachados: o treinador Egídio, Pessoa, Perrucha e Maximiliano. No centro, sentado e de camisa branca, BILÉ, o goleiro celebridade de onde vem o nome Pelé.

Outra foto do time do Vasco da Gama, de São Lourenço. Vale a pena conferir os nomes dos jogadores do Vasco de São Lourenço: Dunga, Pessoa, o goleiro Bilé (que deu origem ao apelido de Pelé), Nhozinho, Santoro (árbitro), Cotti, Maximiano e Antônio Moreira. Agachados: Zé da Bola, Carlito, Dondinho (pai do Pelé), Didi, Geraldão e Macuco.


 foto histórica do pai de Pelé, o Dondinho (João Ramos do Nascimento), quando jogava no Atlético de Três Corações. A foto me foi enviada por Isa Musa de Noronha, filha de Júlio Viotti de Noronha, companheiro de Dondinho. Logo depois, Dondinho deixou o Atlético para jogar no Vasco de São Lourenço.
Se o apelido de família de Edson Arantes do Nascimento era Dico, de onde veio o apelido de Pelé? É essa história que vou contar agora.
Vi o filme Pelé Eterno. Gostei e muito. Acompanhei, como torcedor, a vida profissional de Pelé desde 1958, na Copa do Mundo da Suécia. Ao vivo, vi o Pelé jogar apenas duas vezes. Ambas no Mineirão, em Belo Horizonte. Pela tevê vi muitas vezes. Mas a maioria, mesmo, escutei os jogos do Pelé, no Santos ou na Seleção Brasileira, pelo rádio. A grande vantagem do filme de Aníbal Massaíni é que não precisa ser torcedor e nem entender muito de futebol para gostar de Pelé Eterno. Basta gostar de ser brasileiro, de esporte ou de arte. Pelé Eterno é um bom título e tem uma boa pesquisa. Apenas faltou dar mais detalhes da vida de Pelé até aos 15 anos e explicar melhor um dos fatos mais importantes: de onde vem o nome Pelé, afinal de contas o apelido de família do Edson Arantes do Nascimento era Dico. Mas a infância e adolescência de Pelé talvez seja um próximo filme de Aníbal Massaíni.
Entre inusitado e único, Pelé virou apelido, nome, sobrenome, substantivo e adjetivo. Talvez, junto com Amazônia seja o nome brasileiro mais conhecido no mundo. Amazônia e Pelé são nossas maiores referências. E é justamente por isso que vou dar esse testemunho.
Afinal, como nasceu o nome Pelé? Pois vamos aos fatos. Anos 40. Mais precisamente julho de 1943. Por incrível que pareça – escuto essa história desde criança, mas nunca percebi a importância dela. Aliás, não é bem assim. Por duas vezes passei essa pauta para algumas tevês, todos gostaram, mas nunca fizeram a matéria. E antes que todos os testemunhos da história acabem desaparecendo, resolvi resgatar o que sempre ouvi dentro de minha casa, de meu pai Miguel Archanjo Gorgulho, 87 anos, que até hoje mora na minha terra natal, em São Lourenço, no Sul de Minas.
Meu pai é bom de conversa. Quem o conhece sabe que ele é um ótimo contador de histórias. É o que mais conhece história da família. De vez em quando aparece alguém lá em casa para saber melhor como aconteceu um fato, o que foi feito de fulano de tal. Sempre é ele que dá notícias. E sempre que tinha uma visita e o assunto se debandava para o futebol, lembro-me bem de meu pai saindo com aquele história:

- E você sabe onde o Pelé nasceu?
- Olha, “seu” Miguel, o Pelé nasceu em Três Corações...
- Não! O Pelé nasceu em São Lourenço...
- Isso não é possível. O Pelé não nasceu aqui...
- Nasceu sim e eu vou te provar. Quem nasceu em Três Corações foi o DICO. O Edson Arantes do Nascimento que sempre tem o apelido de Dico.  O Pelé nasceu aqui em São Lourenço.

E lá vinha o “seu” Miguel com essa história que vou contar agora.
“No final de 1942, um grupo de empresários aqui de São Lourenço criou um clube de futebol chamado Vasco da Gama. Logo no início de 43 começou a contração de jogadores para formação do time.
O Vasco nasceu grande. O J. Pimenta, um português dono do Hotel Miranda, o Ari Lage, do Hotel Brasil, o Dr. Eurípedes Prazeres, o Dr. Emílio Póvoa, o Dr. Rafael Reis, muita gente apoiava o novo time de São Lourenço para contrapor com o Esporte Clube de São Lourenço, que era o bicho-papão da cidade. O pessoal dos cassinos ajudou muito. Fomos atrás de um campo para treinar e acabamos conseguindo uma área ao lado do Hotel Brasil, onde está hoje o Parque das Águas II. Campo pronto, time formado, o Vasco começou a ganhar e a fazer um sucesso tremendo!”
Tudo começou nesta data: 4 de julho de 43. Nesse dia, o Vasco de São Lourenço foi a Três Corações jogar com o ATC - Atlético de Três Corações. Jogo duro: 1 a 1. Nós tínhamos um goleiro muito bom, o Bilé. E o ATC tinha um atacante muito bom, o Dondinho. Acabou o jogo e fomos conversar com o Dondinho para trazê-lo para o Vasco. Conseguimos. No meio de julho o Dondinho [João Ramos do Nascimento] veio com a família. Era dona Celeste, o Jair [Zoca] e o Edson Arantes do Nascimento [Dico]. Veio também um irmão da dona Celeste, o Jorge Arantes. A irmã caçula de Pelé, Maria Lúcia, nasceu aqui em São Lourenço.
Com o Dondinho, veio também o Fuad e Gradim. O time base do Vasco era: Bilé, Nhozinho, Cotti, Maximiano e Antônio Moreira. Zé da Bola, Gradim ou Carlito, Dondinho (pai do Pelé), Fuad, Didi, Geraldão ou Macuco.
O primeiro jogo do Dondinho pelo Vasco de São Lourenço foi contra o Cruzeiro, lá em Cruzeiro (SP). Ganhamos e não me lembro de quanto. O segundo jogo, eu me lembro, foi dia 4 de setembro contra Lambari. Ganhamos de 8 a 0. O Dondinho fez 4 gols.
O Vasco tinha um time muito bom. Ganhamos do Smart e do Yuracan, de Itajubá, do Atlético de Três Corações e até da Seleção de Três Corações, agora com Dondinho jogando por São Lourenço. O Dondinho resolvia lá na frente e o nosso goleiro segurava tudo lá atrás. Era o Bilé. Aliás, há pouco tempo eu vi no Globo Esporte uma matéria sobre goleiros e citava o Bilé (José Luiz da Silva) como um dos maiores goleiros da época. Um goleiro que todo mundo queria imitar. Quando deu a matéria no Globo Esporte ainda chamei meu filho João Vitor e disse para ele: - Olha só, a Globo errou! A reportagem disse que Bilé nasceu em São Lourenço. Não foi. Bilé jogou em São Lourenço, mas nasceu em Dom Viçoso [O município de D. Viçoso fica a 20 km de São Lourenço]. O primo-irmão dele é o Basílio que mora nos Pintos Negreiros [Distrito de Maria da Fé], e o Sebastião Correa, que ainda mora em Dom Viçoso. Os dois também jogaram muita bola.
E continua o “seu” Miguel Gorgulho. 
O Vasco tinha um quarteto - melhor, um sexteto - que desequilibrava qualquer partida. Bilé, Dondinho, Pessoa, Gradim, Coti e Zé da Bola. 
O garotinho Dico ficava na beira do campo e sempre queria brincar de goleiro. E dizia logo que era o Bilé, o goleiro celebridade. Mas, como grande parte das crianças na sua idade, o filho do Dondinho trocava o B pelo P. Então ele dizia: chuta aí para o Plé. Ele dizia assim mesmo Plé. E como o pai dele era muito respeitado e o melhor do time, todos nós queríamos muito agradar o garoto para deixar o pai feliz. E fazia a maior farra com ele. Só que tinha um detalhe: como ele não conseguia falar Bilé, só dizia Plé, a criançada pegava no pé dele. Fazia questão de chamá-lo de Plé. Ele não gostava. Fazia pirraça, chorava. Eu me lembro bem dele na beira do campo com o nariz escorrendo e chorando, quando as pessoas teimavam em chamar o garoto de Plé. Ele queria ser chamado era de Bilé.
E o negócio de chamar o garotinho de Plé foi ficando sério. O interessante é que o apelido dele na família era Dico. Mas quanto mais o menino achava ruim com o novo apelido, tanto mais a criançada pegava no pé. Começou no campo do Vasco, depois era na rua, depois era no trem...
O Vasco  durou mais alguns anos e acabou. Acabou porque os times de fora vieram buscar os melhores jogadores. O Rio de Janeiro levou uns dois, o Bauru veio aqui e levou, em agosto de 1945, três de uma vez: o Pessoa, o Dondinho e mais um que não me lembro. O Dondinho, além de jogar bola, era pintor. Eu sei que prometeram para ele um contrato com o Bauru Futebol Clube e um emprego na Prefeitura de lá.
No final de 45, tentamos ainda reerguer o Vasco de São Lourenço. Mas não teve jeito.O Bilé passou a jogar  no Esporte de São Lourenço e depois foi para São Paulo. Dizem que foi para a Portuguesas, não sei.
Com o Dondinho, acabamos por perder totalmente o contato. Naquela época comunicação era difícil. Tanto com ele como com a família e como seu filho Edson Arantes do Nascimento. Só depois, em 1957 e 58 é que voltamos a ouvir falar no filho do Dondinho. Não mais como Plé, mas como o consagrado Pelé.
Mas aí já é uma outra história...


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